Guia – Nova Instrução Normativa da Lei Rouanet (Parte 2)

 

Na Parte 1 deste Guia, sistematizamos as alterações trazidas na 1ª metade da Instrução Normativa SECULT/MTUR nº 1, que revogou a Instrução Normativa nº 2/2019 e regulamenta a apresentação, análise, aprovação, execução e prestação de contas de projetos culturais  financiados pelo mecanismo de Mecenato da Lei Federal nº 8.313/1991.

Confira abaixo as mudanças contidas na 2ª metade da IN (arts. 40 a 90):

 

Prazos de captação e execução – arts. 40 a 42

A nova IN reduziu o prazo máximo de captação de recursos para 24 meses (anteriormente, esse prazo era de 36 meses na maioria dos casos), já contando com eventuais prorrogações sinalizadas no requerimento da proposta.

O prazo de 24 meses continua não sendo aplicável aos projetos de recuperação de patrimônio histórico ou construção de imóveis, porém, mesmo nesses casos, foi estabelecido o limite de 03 exercícios fiscais para a captação ocorrer.

Foram retiradas as exceções de caso fortuito, força maior ou seleção do projeto em seleções públicas, de forma que a ocorrência dessas situações não mais importa para prorrogação do prazo de captação.

A prorrogação permanece não sendo permitida aos Planos Anuais, aos projetos com calendários específicos, e também – novidade da IN – aos projetos sinalizados como “data fixa” no Salic.

O prazo de execução, por sua vez, continua o mesmo com a nova IN, isto é, limitado ao cronograma de execução apresentado pelo proponente (exceto no caso de Plano Anual, que deverá ser executado exatamente nos 12 meses do ano fiscal).

 

Alterações nos projetos – arts. 43 a 48

A possibilidade de alterar os projetos foi mantida na nova IN, mas com várias limitações. A partir de agora, os ajustes entre itens orçamentários são permitidos somente:

  • Após 12 meses contados da homologação de execução;
  • Limitados a um aumento de 20% da planilha homologada para execução;
  • Dentro do limite de 20% do valor do item, sem a necessidade de autorização prévia da Secult (antes era 50%). Acima desse limite de 20% ou no caso de inclusão de novos itens, apenas se expressamente aprovado pela Secult; e
  • Para as rubricas relacionadas à gestão do projeto, é vedado o aumento acima de 20%.

Foi mantida a exigência de que tais ajustes somente sejam solicitados após a captação de 20% do valor homologado.

A figura da complementação orçamentária foi extinta com a nova IN, ou seja, não é mais possível ao proponente solicitar complemento do valor do projeto em até 50% do valor já homologado.

Diferente da IN anterior, os pedidos de ajustes de valores não serão mais encaminhados à CNIC, independente da sua complexidade.

 

Sessão exclusiva – art. 50, parágrafo único

Expressamente proibida pela IN revogada, as sessões exclusivas de projetos produzidos com recursos incentivados passam a ser permitidas pela nova IN, desde que seja garantido o acesso dos públicos de gratuidade para as demais sessões.

 

Fiscalização – arts. 51 e 52

A Secult continua podendo, a qualquer tempo e de ofício, realizar acompanhamento da execução do projeto, por meio de vistorias com o objetivo de esclarecer dúvidas ou – novidade da nova IN – por qualquer outro motivo relevante. Novamente, o conceito de “relevância”, sem menção a critérios objetivos que a configurem, é utilizado pela IN para pautar ações específicas (e estratégicas) da Secult.

Ainda, quaisquer condutas que visem inviabilizar total ou parcialmente o acompanhamento dos projetos pela Secult ensejarão, além do registro de inadimplência do projeto, a inabilitação do proponente (esta última novidade da IN).

 

Inauguração – art. 55

Como já previsto pelo Decreto nº 10.755, determina-se que qualquer inauguração (abertura ou lançamento), realizada por proponentes, Estados, Distrito Federal e Municípios, de projetos aprovados perante a Lei Rouanet somente poderá ocorrer com aprovação prévia da Secult.

O descumprimento dessa previsão acarretará a reprovação total do projeto e instauração imediata de Tomada de Contas Especial (processo que não foi alterado em nada pela nova IN e que está disposto nos arts. 72 e 73).

Será necessário aguardar as movimentações da Secult e eventuais novos estudos ao longo desse ano para entender exatamente o que essa disposição vai significar na prática.

 

Prestação de contas – arts. 58 a 64

A nova IN ampliou as hipóteses de reprovação de contas, na medida em que transformou muitas hipóteses de aprovação de contas com ressalvas em reprovação direta. Para saber mais, recomendamos a leitura do art. 58.

Além disso, a não comprovação de medidas de acessibilidade, de ampliação de acesso e/ou contrapartidas sociais ensejará aprovação de contas com ressalva.

Na IN revogada, projetos de baixa captação possuíam uma análise simplificada das contas, contudo essa previsão está extinta.

Ainda, aumentou-se o prazo para interposição de recurso da decisão de reprovação das contas, ou aprovação com ressalvas, para 20 dias (anteriormente eram 10).

 

Sanções – arts. 65 a 70

A Secult continua podendo, em qualquer fase do projeto, aplicar as sanções a que o setor está acostumado. O prazo para o proponente apresentar esclarecimentos ou sanar a irregularidade no caso de aplicação de inabilitação cautelar foi reduzido de 20 para 10 dias.

Conforme a nova IN, a sanção de inabilitação teve sua duração estendida de 3 para 5 anos.

Outra mudança é que bastará 3 aprovações com ressalvas, no período de 3 anos, para impedir o proponente de apresentar propostas de projetos culturais durante 3 anos. Anteriormente, eram necessárias 5 aprovações com ressalvas para impedir o proponente de apresentar propostas, e esse impedimento durava só por 1 ano.

 

Parcelamento de débitos – art. 71

A nova IN continua concedendo ao proponente a possibilidade de, após decisão de reprovação de contas, requerer o parcelamento do débito. Até então, era permitido parcelar em 60 meses e, a partir de agora, apenas em até 36 meses (ou 48 meses, no caso de pessoa física ou microempreendedor individual), sendo que cada parcela não pode ser inferior a R$ 1 mil. Ainda, a correção do débito não é mais por correção monetária, mas por meio do Sistema Atualização de Débito do TCU.

 

Medidas compensatórias – arts. 74 a 81

Mencionadas na normativa anterior, mas não aplicadas na prática, as medidas compensatórias são, de fato, regulamentadas pela nova IN. O proponente com contas reprovadas poderá utilizá-las para fins de ressarcimento ao erário somente quanto ao valor equivalente aos juros do débito devido.

Apenas a análise caso a caso será capaz de determinar se é mais benéfico ao proponente pagar os juros ou realizar as medidas compensatórias. Independentemente de tal perspectiva financeira, a aceitação de medida compensatória, ao tudo indica pela leitura do art. 66, § 3º, pode fazer com que não seja aplicada automaticamente a sanção de inabilitação ao proponente.

 

Aplicabilidade imediata da nova IN – art. 86

 

A atual IN entrou em vigor na data de sua publicação, dia 08/02, e revogou a IN anterior integralmente. As novas disposições são aplicáveis aos projetos já em andamento, respeitados os direitos adquiridos e mantidos os percentuais aprovados nas etapas de Custos Vinculados e valor da Remuneração para Captação.

Discutir até onde vai o direito adquirido, entretanto, não é tarefa simples. Por enquanto, pode-se dizer que, aos projetos que ainda não captaram nada e não tiveram a execução homologada, a nova IN será aplicada, com exceção aos percentuais já consolidados no Salic. Contudo, aos projetos já captados e em plena execução, com contratos já celebrados com seus fornecedores, por exemplo, parece razoável aplicar a IN anterior, que não estipulava o teto de R$ 100 mil para um único fornecedor.

O entendimento de cada disposição da IN, e se há direito adquirido nesses pontos, não é de resposta imediata. Será uma construção a partir dos estudos e pesquisas do setor e também das aplicações da Secult ao longo desse ano.

 

Conclusões

A nova IN modificou pontos-chave do mecanismo de Mecenato da Lei Rouanet. São muitas as alterações que dificultam a obtenção de recursos incentivados pelo proponente, dentre as quais vale recapitular:

  • Restrições do financiamento por incentivos fiscais federais a instituições privadas culturais, a princípio não mais elegíveis para submeter Planos Anuais;
  • Redução do prazo de captação para todos os proponentes, que impacta diretamente nos projetos culturais, uma vez que não é rápido, ou nem sempre descomplicado, atrair captadores para a área da cultura, principalmente nas condições políticas, econômicas e sociais atuais;
  • Natureza exclusivamente cultural dos proponentes, de forma a fechar portas para instituições com atividades variadas;
  • Redução das possibilidades de alteração dos projetos culturais, que só podem ser realizadas após 12 meses de execução do projeto (prejudicando diretamente Planos Anuais e aqueles projetos de curta duração, com execução inferior a 12 meses), o que fragiliza adaptações orçamentárias necessárias, principalmente considerando o momento de instabilidade atual da pandemia;
  • Extinção da complementação orçamentária dos projetos;
  • Insegurança jurídica sobre quando se dará a homologação final do projeto, uma vez que a etapa de homologação não tem prazo estabelecido para acontecer, ficando à mercê da conveniência de Secult;
  • Impossibilidade de transferência de valores acima dos homologados para outro projeto do mesmo proponente, com a obrigatoriedade de que captação de excedente seja encaminhada diretamente ao FNC;
  • Autorização prévia da Secult para inauguração de projetos produzidos com recursos incentivados pela Lei Rouanet;
  • Enfraquecimento da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura – órgão com composição paritária entre o Governo e a sociedade civil), que foi dispensada de atuar em várias etapas do processo;
  • Prestação de contas e sanções mais rigorosas; e
  • Utilização do conceito de “relevância” cultural dos projetos (na IN anterior, essa palavra não era mencionada nenhuma vez) sem a atribuição de critérios objetivos que o definam, com consequente concentração de poder à Secult e, principalmente, ao cargo de Secretário, o que abre margem para decisões arbitrárias e ideológicas.

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